ALÔ, ALÔ, TERRÁQUEO


Um antigo provérbio plutoniano afirma que devemos tratar com cuidado tudo o
que vem da Terra. É difícil precisar sua origem, visto que pouco do que é feito
aqui chega, de fato, a Plutão — muito, muito pouco; quase nada. A mais de 5,5
horas-luz de distância, o último planeta do sistema solar pode muito bem se
considerar a salvo da ação humana.
Esta coletânea de autores terráqueos foi elaborada para provar que o contrário
pode não ser verdade. Nos contos aqui presentes, lugares, fatos e pessoas são
reais. Nada foi inventado.
O processo de seleção do tema e dos participantes foi, de forma geral, muito
místico, ainda que completamente de acordo com os métodos científicos
aplicáveis. Programada desde o início para o Dia das Bruxas, Aqui quem fala é
da Terra nasceu como uma coletânea de terror, mas as histórias foram, aos
poucos, se moldando ao espírito de cada autor. Temos suspense, comédia,
romance e aventura; não temos um único conto de horror. Nesse sentido, todos
os envolvidos sentem desapontar qualquer expectativa, mas talvez seja melhor
assim — para variar, estamos em guerra, e a realidade já está assustadora o
suficiente.
Abrimos com o sinistro “Balé de almôndegas”, conto em que Rodrigo van
Kampen nos mostra como a afeição pode nascer das situações mais inesperadas
— e que não há um jeito único de demonstrá-la. “Dois ou um”, da organizadora
Jana Bianchi, vem em seguida, com uma aventura espacial guiada pela sorte e
pela presença de uma preguiça robótica, e, com “O fantasma veio para a festa”,
Bárbara Morais coloca em cena a nave Yucatán para falar de humanidade em um
conto divertido e acalentador que arrancará risadas e fará com que o leitor encare
galinhas de outra forma. Já em “O Barqueiro”, mergulhamos na sopa cósmica da
mente de Alliah, nos deparando com a criatura que dá nome ao conto, um símio
de seis braços que cuida do lago de colóide nutritivo em um planeta-criatura.

André Caniato vem em seguida para contar sobre fenômenos estranhos,
desaparecimentos e hordas de jabutis em “Um dia não anoiteceu mais”, um
misterioso road trip fraternal passado no interior de São Paulo. O poderoso
“Entre as gotas de chuva, encruzilhada”, de Cirilo S. Lemos, acrescenta à
coletânea uma visão fascinante sobre oportunidades e desdobramentos das
nossas escolhas, enquanto Clara Madrigano explora um trauma de família
nascido em uma noite de Halloween, nos entregando “O regresso”, um daqueles
contos cujo fim reverbera e arrepia todos os pelos do braço.
Em seguida, o cômico “O Morango de Itaipu”, estreia de Mayra Sigwalt na
ficção, faz uma mistura deliciosa de mulheres com poderes sobrenaturais e
alienígenas engraçadinhos em uma cidade fictícia de Santa Catarina, e Vitor
Martins fecha a coletânea e esquenta qualquer coração com “Estrela Cadente”,
também conhecido por aí como “Aliens lésbicas”, um conto sobre sentimentos,
saudades, amizade e aprendizado.
Ainda que não seja possível descobrir como surgiu o provérbio mencionado
acima, é fácil adivinhar por que ele existe. Seres humanos são capazes de
grandes ações. Boas ou ruins — grandes, esmagadoras em diversos sentidos.
Diante de certos acontecimentos recentes, é compreensível que nos sintamos
tristes, abalados ou sozinhos. Por meio deste livro, gostaríamos de reiterar que
não estamos sozinhos. Na vida, no mundo, no universo, em lugar nenhum. Você
não está só. Mais do que uma coletânea, Aqui quem fala é da Terra busca ser,
também, uma afirmação e um aviso: estamos aqui, estamos juntos, continuamos
criando, seguiremos em frente.

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