Assim que abri a porta dos fundos


Assim que abri a porta dos fundos, Mamãe chamou:
— Holl, é você? Preciso de você aqui.
Deixei minhas mochilas ao lado da escada e segui a voz vinda da sala.
— Ah, ótimo! — Mamãe disse. — Você pode terminar de dar mamadeira
para a Hannah? Preciso muito fazer xixi.
Libertei Mamãe da bebê e da mamadeira.
— Oi, Hannie! — Cantarolei, erguendo-a no ar para que ela sorrisse,
mostrando suas covinhas para mim. Tão fofa. Aconcheguei-a na dobra do
meu braço e inseri o bico da mamadeira em sua boquinha lambuzada, depois
cruzei a sala para ir me acomodar no sofá. Apoiei Hannah nos meus joelhos
dobrados. Ela mamou e agitou os bracinhos gordos, fazendo-me rir. Meu
Deus, ela era uma preciosidade! Às vezes, era como se fosse minha filha.
Mamãe voltou, respirando aliviada e prendendo os cabelos com a presilha.
Ao desmoronar na poltrona, ela perguntou:
— Como foi seu dia?
— Bom. — Deixei os dedinhos de Hanna agarrarem meu polegar. — E
como foi o seu?
— Cansativo. Você foi ver a Bonnie Lucas? Pedi pra ela arranjar mais uns
catálogos e fichas de inscrição pra você... só por garantia.
— Ah, droga! — Minha cabeça desabou no braço do sofá. — Desculpa, eu
esqueci. — “Por garantia” significava para o caso de Vassar e Brown me
rejeitarem, assim como fez Harvard. Essas universidades estavam bem longe
do meu alcance, mas tentei explicar isso para Mamãe. Ela me obrigou a fazer
a inscrição antecipada, apesar de que eu já poderia ter contado a ela qual seria
o resultado, antecipado ou não.

— O prazo para fazer a inscrição nas outras universidades é dia primeiro
de fevereiro, Holland — ela disse. — Não temos muito tempo. E você não
quer ir para uma universidade estadual como a Metro Urban. — Ela franziu o
nariz.
— Vou lá amanhã. Pode me passar essa toalha? — Hannah estava
derramando um fio de baba no peito.
Mamãe se levantou e me entregou a toalha que trazia no ombro.
— Faith vai vir neste fim de semana.
— De novo? Mas a gente acabou de se livrar dela.
— Holland! — Mamãe me censurou.
— Tá, desculpa, é que... — Mordi a língua. Ela já tinha ouvido isso antes.
Se tenho que defini-la como parente, Faith era minha irmã adotiva má. Era
um show de horrores ambulante. Atualmente bancava a gótica, o que era um
tanto obsceno por ser logo depois do massacre de Columbine. Eu e ela nos
entendíamos como dois polos magnéticos que se repelem. Neal, o meu
padrasto, nos apresentou poucas semanas antes que ele e Mamãe se casassem,
e naquele mesmo instante eu soube que jamais seríamos uma família unida e
feliz. No máximo, eu conseguia tolerar a Faith em fins de semana alternados,
mas depois que a Hannah chegou e meu quarto virou um berçário, tive que
dividir um quarto com a Faith no andar de baixo. No dia do meu julgamento,
o júri vai entender que a ré cometeu assassinato por motivos justificáveis.
Não era todo mundo que conseguia esgotar minha paciência, mas Faith
conseguia e sabia disso. Sabia e fazia de propósito.
Acariciei a bochecha sedosa de Hannah com os nós dos dedos, me
perguntando se algum dia tive uma pele tão perfeita.
Mamãe se sentou no braço do sofá, passando os dedos pela minha franja.
— Sei o que você acha da Faith. Mas ela ainda é muito nova.
— Ela tem quinze anos. — Em um murmúrio, acrescentei: — Indo pra
dezesseis!
Mamãe suspirou:
— Obrigada por ter paciência com ela.
Como se eu tivesse alguma.
— Não vai ser por muito tempo. Logo, você vai sair de casa para ir à
universidade. Não demora nada. — Mamãe beliscou meu nariz. Ela se
inclinou para pegar Hannah e perguntou: — E para onde vai o Seth? Ele já
decidiu?
— Stanford, da última vez que ouvi. — Fugíamos desse assunto como o

diabo foge da cruz. Seth queria que estudássemos na mesma universidade,
mas a probabilidade de isso acontecer era menor que zero, levando em
consideração que ele podia se dar ao luxo de escolher. Seth tinha objetivos.
Queria ser microbiologista. Aos vinte e cinco anos, ele estaria casado e feliz,
com dois filhos e um a caminho, um cachorro e uma garagem com três
carros, ou seja, o pacote completo. Ele disse que não suportava pensar que
estaríamos separados por quatro anos e que, mesmo se não estudássemos na
mesma universidade, deveríamos dar um jeito de ficarmos juntos.
Fisicamente juntos. Ele andava me pressionando a assumir. Um
compromisso. Qualquer coisa.

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