Dentre tantas casas


Dentre tantas casas regidas por uma tradição patriarcal, aquele lar era
visto no mínimo de forma curiosa pelos outros da pequena cidade. Além do
próprio fato de ser a única casa dos arredores governada por mulheres,
cogitar o motivo disso era o que dava ainda mais sabor às línguas. Mau
agouro, diziam uns; mero acaso, diziam outros. O fato era que todos os
homens que ali depositavam suas sementes, não duravam o suficiente para
ver seus cabelos ficarem brancos.
Auxiliadora tivera três filhas até a morte do marido por tuberculose. A
primeira filha, Firmina, tornou-se viúva com menos de um ano de casamento.
O marido foi picado por uma cobra e a mulher jamais se casou novamente.
Por nunca ter tido filhos, disfarçava a tristeza toda vez que fazia um parto, o
que lhe era muito comum, sendo uma das melhores parteiras da região. A
segunda filha, Benvinda, tivera apenas um menino, quando o marido foi
então acometido por febre tifoide. A vez de Auxiliadora também chegou,
morrendo pouco depois do nascimento da terceira e última filha, Amparo.
Esta ficou então aos cuidados das irmãs, que, tornando-se viúvas, retornaram
para a casa da mãe. Na casa moravam, assim, as três irmãs e o filho de
Benvinda, cujo nome era Sebastião. Mais um membro daquela família,
porém, estava por vir.
Amparo repousava na cadeira de balanço do alpendre numa manhã de
setembro; o tricô recém-finalizado dobrado em uma das pernas. Uma das
mãos tocava a grande barriga, sentindo os movimentos do bebê, enquanto a
outra balançava um leque. Ao longe, divisava as frágeis plantações com seus
espantalhos aposentados; ela mesma remendara a blusa de um deles. Estava
quente, não chovia há pelos menos seis meses. As chuvas desse ano haviam
sido fracas, fazendo muita gente perder o gado e a colheita pelo que ouvira
falar.
— Está mais tranquila? — Firmina perguntou, saindo da casa.
Achegando-se atrás da irmã.
— Ainda estou preocupada. Tenho medo de como vai ser o parto.
— Pena que eu não possa te dizer como é. — Repousou as mãos em

seus ombros, observando o movimento vagaroso das pessoas que passavam
pela rua. — Já passei dos cinquenta há tempos e nessa vida não conhecerei
dessa dor. Já não basta essa terrível dor nas costas que me acompanha. —
Sorriu. — Você precisa manter a calma, Amparo. Esqueceu-se de que vou
estar ao seu lado.
— É que...
— Ainda mais você, que dor ou enjoo algum sentiu desde o início da
gravidez. Na verdade, nunca a vi tão bem. Essa criança certamente te fez
bem. Não há com o quê se preocupar... E Benedito, quando volta?
— É sobre isso que eu queria conversar. Você acha que nossa família
tem algum problema?
— Lá vem você com essa conversa de novo? Deixe de superstição
besta! Não pense que só porque nos tornamos viúvas, que isso vai acontecer
com você também. Infelizes coincidências da vida, nada mais.
— Não estou com um bom pressentimento... Já faz quinze dias que não
chega carta alguma, nenhuma notícia sequer mandada por alguém. Gostaria
que Benedito voltasse antes do bebê nascer. Não gosto dessa história de ele
ficar indo à Fortaleza.

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