Pela forma como ela me olha


Estou um pouco nervosa em não conseguir desenhar todos os
pedidos.
Coloco as tintas espalhadas aleatoriamente na mesa, junto com os
pincéis, lendo o cartaz com orgulho e apreensão: “Pinturas Faciais da
Paola”.
É a primeira vez que participo do Carnaval daqui, mas sei o quanto é
importante para todos.

— Duvido que não consiga. Não conheço pintora mais
perfeita. — Sorri carinhosamente. — Os meninos vão pedir para serem
super-heróis, animais ou algo fofo. — Aponta para seu próprio rosto
pintado em tons de azul.
Quando pediu que pintasse algo bonito, olhei para ela, também linda,
sem inveja. Sei que nunca fui bonita como ela é ou serei novamente,
alguém que recebe olhares de admiração todos os dias, sem reparar que
é alvo deles. Isso não me preocupa, pois entro em pânico só de me
imaginar conversando com um homem.
— Ele não vai estar presente, não é? — pergunto novamente.
— Não, André não vai aparecer. Mas, Paola, se ele viesse, duvido que
teriam que conversar. Explicamos que você teve um episódio e, acredite
em mim, ele, melhor do que muitos, entende a situação. Além disso,
André se sentiu culpado porque você desmaiou duas vezes. Sei que,
fisicamente, a presença dele pode ser intimidante. Com aquele tamanho
todo... músculos podem assustar qualquer pessoa, mas só estava
tentando ajudar sem entender que piorava somente pelo fato de estar
tocando em você... em seu rosto. Olhando para você. Como ele não é
um voluntário, não sabia que todas as quartas-feiras aquele lado do
jardim é exclusivo para seu uso. Foi isso. Nada mais.
Tento acreditar em suas palavras, mas recordo perfeitamente o
momento. Olhando para mim estava o maior homem que já vira na vida.
Muito, muito alto, preenchido por músculos gigantes como ele, barba
curta e cabelo despenteado. Roberto era alto, só que magro e elegante,
ao contrário do tal André, que fixava o olhar em mim.
Se não consegui me libertar das mãos do Roberto, desse homem seria
impossível, porque certamente ele consegue carregar troncos de árvores
em seus braços como se fossem gravetos. Pegar-me seria ainda mais
fácil.
Minha mente está tão distorcida que, naquela situação, associei-o ao
pitbull. Eu sabia que se ele me atacasse eu não conseguiria vencer, por
isso meu corpo desligou. Não aguentou o temor de vivenciar tudo
novamente.
Quando voltei a mim, a mão dele estava tocando meu rosto, no meu
lado desfeito, e novamente pensei que iria sofrer. Do restante não
recordo, apenas sei que meus gritos foram tão sonoros que as pessoas
acharam que eu estava realmente sendo atacada.

O que tem me preocupado é que, nessas últimas noites, sonhei que
André estava sendo meigo comigo, que seu toque não era violento, mas
de preocupação... carinho. E fiquei com mais medo ainda, pois não sei o
que é ser tocada assim por um homem.
— Vai dar tudo certo. — Rafaela segura minhas mãos com cuidado e,
às vezes, não parece ter a minha idade. Como se ela também soubesse o
que é viver presa a um dia trágico. — Não fique ansiosa sem
necessidade. Respire fundo quando precisar. Hoje é dia de festa, e não
vamos deixar os demônios entrarem. Vamos tentar esquecer o que
somos no resto do ano para sermos algo diferente.
— E o que vamos ser?
— Felizes, Paola. Felizes como nunca somos.

Rafaela tinha razão, quase todos os meninos pediram a mesma coisa.
Super-heróis, princesas e bichos fofos foram os mais pintados. Até as
crianças que são pacientes da Clínica, com seus diversos problemas,
estão pintadas e com sorriso no rosto. Alguns pais choraram de emoção,
e fiquei feliz por ter ajudado a criar uma memória de alegria.
Hoje, todos são felizes.
Algumas crianças me olharam e comentaram a minha pintura facial
assustadora, outras compreenderam que sou assim, e nenhuma gritou
com medo.
Limpo os pincéis, percebendo que a festa agora é do outro lado e já
não terei mais rostos para pintar. Abro a maleta até perceber que vem
vindo mais gente.
Uma senhora com ar exausto e uma criança no colo, escondida em seu
pescoço, caminha apressadamente na minha direção.
— Desculpe por termos vindo tarde. Minha neta esteve doente, mas a
festinha é sempre tão linda. Não queria que perdesse essa
oportunida... — fala depressa, mas para quando percebe que não estou
usando pintura em um lado do rosto. Rapidamente disfarça, mas não
sem antes seu olhar de pena ficar evidente.
— Não tem problema. — Retiro novamente meu material, tentando
controlar a felicidade por ter mais uma criança para pintar e não voltar à

minha vida solitária.
Calma, Paola.
A senhora cochicha algo à menina, que me olha com atenção, e
percebo que é tímida e fica amedrontada.
— Olá, meu nome é Paola. E o seu? — Ela continua olhando para
mim, assustada.
— O nome dela é Sol — responde a senhora. — Minha neta é
envergonhada, principalmente com estranhos. — Senta a criança na
cadeira.
Fico nervosa pela primeira vez porque a menina não pisca os olhos, e
isso é assustador de uma maneira fofa, pois só as crianças conseguem.
Quando os raios de sol se refletem em seu cabelo, ele reluz, e
compreendo que ela não poderia ter um nome mais perfeito. Toda ela
parece um raio brilhante de sol.

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