Brownie Reflex

Brownie Reflex num tempo em que as fotos pintadas ainda não estavam
na moda. Havia uma fotografia pequenina de Brenda montada num
cavalo; outra de Ron todo paramentado para o bar mitzvah, de quipá e
talit; e dois retratos emoldurados juntos — um, de uma mulher bonita e
envelhecida, que, a julgar pelos olhos, devia ser a mãe da sra. Patimkin,
e o outro da própria sra. Patimkin, com os cabelos formando um halo, os
olhos cheios de alegria; não eram olhos de uma mãe que já começava a
envelhecer, com uma filha lépida e bela.
Passei pelo arco que dava entrada à sala de jantar e fiquei por um
momento olhando para fora, vendo a árvore de artigos esportivos. Da
sala da televisão, que dava para a sala de jantar, vinham os ruídos do
aparelho — Julie estava assistindo a This is your life. A cozinha, que
ficava do outro lado da sala de jantar, estava vazia, e pelo visto, como
era a folga de Carlota, os Patimkin tinham jantado no clube. O quarto do
casal ficava no meio da casa, ao lado do quarto de Julie, e por um
momento tive vontade de ver o tamanho da cama em que dormiam
aqueles gigantes — eu a imaginava larga e profunda como uma piscina
—, porém resolvi deixar aquela investigação para quando Julie não
estivesse na casa. Em vez disso, abri a porta da cozinha que dava para o
subsolo.
Lá embaixo havia um frescor diferente do que eu percebera na casa, e
senti também um cheiro, coisa inexistente no andar de cima. O subsolo
era cavernoso mas ao mesmo tempo agradável, como as cavernas de
mentira que as crianças inventam para brincar em dias de chuva, nos
armários do corredor, debaixo de cobertores ou entre os pés da mesa da
sala de jantar. Tendo descido a escada, acendi a luz e não me surpreendi
ao ver as paredes cobertas de lambris, os móveis de bambu, a mesa de
pingue-pongue e o bar forrado de espelhos, equipado com copos de todo
tipo e tamanho, balde de gelo, garrafa de cristal, coqueteleira, mexedor,
copo de aguardente, tigela para salgadinhos — toda a parafernália
orgiástica em abundância, organizada e intacta, como só se poderia
encontrar no bar de um homem rico que jamais recebe visitas que
bebem, que não bebe ele próprio e que, na verdade, é alvo de um olhar
de repreensão de sua mulher quando, uma vez a cada dois ou três meses,
toma um aperitivo antes do jantar. Entrei no bar, onde havia uma pia de
alumínio que não via um copo sujo, sou capaz de apostar, desde o bar
mitzvah de Ron, e que provavelmente só veria outro quando um dos

filhos dos Patimkin se casasse ou noivasse. Só não tomei um drinque —
uma vingança malévola por me terem imposto a condição de criado —
por não ter coragem de rasgar o selo de uma garrafa de uísque fechada.
Ali, para beber, era preciso rasgar o selo da garrafa. Na prateleira dos
fundos do bar havia duas dúzias de garrafas — vinte e três, para ser
exato — de Jack Daniels, e do colarinho de cada uma delas pendia um
livrinho que explicava ao freguês como era chique aquela bebida. E
acima das garrafas de Jack Daniels havia ainda mais fotos: a ampliação
de uma fotografia de jornal em que Ron segurava uma bola de basquete
com uma das mãos como se fosse uma passa; dizia a legenda: “Ao
centro, Ronald Patimkin, Millburn High School, um metro e noventa e
dois, noventa e oito quilos”. E havia mais uma foto de Brenda montada
num cavalo, e ao lado dela um quadro de veludo em que estavam
espetadas fitas e medalhas: Concurso Hípico do Condado de Essex
1949, Concurso Hípico do Condado de Union 1950, Feira Estadual de
Nova Jersey 1952, Concurso Hípico do Condado de Morristown 1953, e
assim por diante — tudo isso fora Brenda que ganhara, dando saltos ou
correndo ou galopando, ou seja lá o que fazem as meninas para ganhar
medalhas. Em toda a casa eu não tinha visto uma única foto do sr.
Patimkin.

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