O que é História


Nos poucos últimos anos antes de sua morte em novembro de 1982,
Carr estava preparando uma edição substancialmente nova de Que é história?
Não desanimado pelos reveses ao progresso humano que caracterizaram os
vinte anos decorridos desde a primeira edição em 1961, Carr declara em seu
Prefácio que a intenção do novo trabalho era “esboçar uma pretensão, se não
de uma perspectiva otimista, de qualquer forma de uma perspectiva mais
saudável e mais equilibrada para o futuro”.
Apenas o prefácio foi terminado. Mas entre os documentos de Carr uma
grande caixa contém, junto com um pacote cheio de resenhas e
correspondências relativas à edição de 1961, meia dúzia de pastas marrons
com papel-almaço ostentando os títulos: “História - Geral; Causalidade -
Determinismo -Progresso; Literatura e Arte; Teoria da Revolução e
Violência; Revolução Russa; Marxismo e História; Futuro do Marxismo”. Ele
obviamente pretendia trabalhar muito mais antes de completar a segunda
edição. As pastas continham os títulos de muitos livros e artigos sobre os
quais ele ainda não fizera anotações. Mas também continham material que já
fora parcialmente processado: separatas selecionadas, artigos recortados de
jornais e numerosos apontamentos manuscritos em pedaços de papel de
rascunho de vários tamanhos. As cartas trocadas com Isaac Deutscher, Isaiah
Berlin, Quentin Skinner e outros, sobre filosofia e metodologia da história,

também estão incluídas nas pastas, evidentemente com a intenção de utilizá-
las para a nova edição. Anotações eventuais datilografadas ou manuscritas

são claramente rascunhos iniciais de sentenças ou parágrafos. Não se tem

nenhum plano para a nova edição proposta, mas um apontamento registra:
Desordem da História
Investidas da Estatística

Psicologia Estruturalismo

Desordem da Literatura
Lingüística
Utopia etc.

[um outro papel de rascunho registra:
“Último capítulo
Utopia
Significado da História”]
Carr evidentemente pretendia escrever novas seções ou capítulos
tratando de tópicos negligenciados ou inadequadamente tratados na primeira
edição, assim como ampliar os capítulos existentes de Que é história? com
respostas aos críticos e material adicional ilustrando e algumas vezes
corrigindo seu raciocínio. Algumas vezes um livro inteiramente novo sobre
nossas inquietações e o mundo pelo qual deveríamos trabalhar parece estar
lutando para emergir de suas extensas anotações e apontamentos. Certamente
ele pretendia produzir um capítulo final, ou capítulos, talvez uma versão
totalmente reescrita da Conferência n° 6, sobre “O Horizonte Ampliado”, que
apresentaria sua própria opinião sobre o significado da história e sua visão do
futuro, mais diretamente relacionada às preocupações políticas atuais do que
qualquer de seus escritos anteriores.
Carr evidentemente viu pouca razão para modificar o argumento de
suas duas primeiras conferências sobre o historiador e seus fatos e o
historiador e a sociedade. Como um exemplo das falsas pretensões da

abordagem empirista dos fatos históricos, ele cita Roskill, o eminente
historiador naval, que exaltou “a moderna escola de historiadores”, que
“consideram sua função como não mais que reunir e registrar os
acontecimentos de um período com precisão escrupulosa e imparcialidade”.
Para Carr, esses historiadores, se realmente se comportavam como
pretendiam, se assemelhariam ao herói de um conto do escritor argentino
Borges (traduzido para o inglês como “Funes the Memorious”), que nunca
esquecia nada do que havia visto, ouvido ou vivenciado, mas admitia que,
conseqüentemente, “Minha memória é um amontoado de restos”. Funes não
generalizar, fazer abstrações”.

1 Carr definiu e repudiou o empirismo em
história e nas ciências sociais como “crença em que todos os problemas
podem ser resolvidos pela aplicação de algum método científico isento de
valores, isto é, que existe uma solução correta objetiva e o caminho para
alcançá-la - as supostas pretensões da ciência transferidas para as ciências
foi considerado por Lukács como anti-histórico, no sentido de que apresentou
uma reunião de eventos, sociedades e instituições mais do que um processo
de avanço de um para outro. “A história”, escreveu Lukács, “torna-se uma
coleção de anedotas exóticas.”
2

As anotações de Carr fornecem um apoio significativo para este ataque
ao empirismo. Gibbon acreditava que a melhor história só poderia ser escrita
por um “historiador-filósofo”, que distinguisse aqueles fatos que dominam
um sistema de relações:

3 ele proclamou seu débito a Tácito como “o primeiro
dos historiadores que aplicou a ciência da filosofia ao estudo dos fatos”.
4
Vico distinguiu il certo (o que é fatualmente correto) de il vero; il certo, o
objeto de coscienza, era particular ao indivíduo, il vero, o objeto de scienza,
era comum ou geral.

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