O encontro


Joana estava sentada no chão, recostada em um tronco cinzento e
pálido de uma majestosa árvore de faia. A copa muito densa permitia que
apenas uma tênue luz atingisse os seus cabelos alaranjados e o livro que
repousava em suas mãos — do qual ela não desviava os olhos havia um par
de horas.
Trouxera, além do livro, uma pequena manta para cobrir o solo, por
estar repleto de folhas frias e molhadas depositadas umas sobre as outras. Tal

acúmulo de folhas garantia uma beleza bucólica àquele lugar. Era bonito ver
como o outono transformava a paisagem do bosque, deixando tudo dourado.
O bosque de faias não era o local mais apropriado para uma jovem
dama frequentar, especialmente sozinha. Joana sabia disso, ainda mais após
as constantes invasões e batalhas que antecederam a restauração do rei ao
trono. Porém não conhecia outro lugar na redondeza onde pudesse ficar
sozinha e ler sem ser incomodada; e naquele dia em particular, desejava mais
do que algumas horas com a mente viajando em um livro, queria mesmo era
esconder-se do mundo. Estava irremediavelmente zangada com os seus pais,
novamente.
O silêncio do bosque com sua atmosfera enigmática e pouca
iluminação era o seu refúgio perfeito desde a infância. Ali escondia-se das
irmãs mais novas sempre que elas a incomodavam e tinha inclusive inventado
que o lugar era mal-assombrado, para que não se atrevessem a ir procurá-la
naquele local.
Cresceu e continuou indo ao bosque. Alguns bons minutos de
caminhada pela estrada margeada por uma verde campina e mais um pouco
por uma pequena trilha em meio às árvores e ela logo podia sentar-se em paz
para ler ou apenas pensar.
Devido à insegurança que o bosque agora lhe oferecia, ficava em
alerta ao menor ruído, assustava-se com qualquer crepitar de folhas ou galhos
e apurava-se em vigilância. Após o período das crises e violências, das
invasões estrangeiras ao seu país e a queda de Bonaparte, a paz parecia
apenas uma palavra esquecida em um espaço qualquer.
Mesmo assim, entre as faias ela sentia uma aprazível felicidade, sua
mente se esvaziava de todas as tolices românticas que ouvia das irmãs
durante o dia inteiro, das imposições do pai, e dos discursos enfadonhos de
sua mãe — sempre em favor do marido. Nos livros a realidade se mostrava
sem disfarces, sem devaneios e ilusões tolas. Talvez por isso os melhores
eram proibidos, e era um desses que Joana tinha nas mãos e que fazia seus
olhos arderem por quase esquecer de piscá-los. A França vivia um grande
período de transformação e os livros assumiam o dever de instruir as pessoas,
lhes mostrando a verdade com sabedoria e propagando uma liberdade que
não era aceita por alguns.
Joana estava no meio de uma reflexão sobre as linhas que acabara de
ler quando um relinchar de cavalo a assustou e fez com que ela se levantasse

com agilidade, abandonando o livro aos seus pés; porém, tão logo ao barulho,
percebeu que alguém se aproximava. Ajeitou o vestido e firmou seu olhar à
frente, procurando de onde vinha o som, foi quando viu surgir entre as
árvores um enorme cavalo negro de pelos muito vistosos, montado por um
jovem que Joana não conhecia.
— Quem é o senhor? — perguntou olhando para o alto, procurando
sustentar uma postura firme e que não revelasse o medo que sentia.
Joana mantinha seus olhos resolutos na direção do jovem, o mesmo
olhar altivo que lançava aos seus pais quando os desafiava ou teimava em ter
razão — o que fazia constantemente —, porém também estava pronta para
correr se fosse necessário.
— Mademoiselle. — Ele a saudou com um leve abaixar de cabeça. —
O que faz sozinha neste bosque? Por certo deve ser perigoso, não? —
perguntou segurando os arreios do cavalo, que se mexia impaciente erguendo
o dorso.
— Perigoso? Devo preocupar-me com o senhor? — Joana atreveu-se
a perguntar. Ele a olhou por breves segundos antes de responder.
— Asseguro-lhe que não.
— Pois bem, sendo assim, pode prosseguir viagem. — Ela retorquiu,
procurando demonstrar segurança em sua voz.
— Vejo que está acompanhada — disse ele. Joana pareceu não
compreender. — Refiro-me ao livro. É por isso que veio aqui? Para ler? —
apontou com os olhos para o livro recém-abandonado no chão e depois
encarou os olhos verdes de Joana.
— E por que isso lhe interessa? — Joana redarguiu com rudeza a fim
de encerrar o assunto. O olhar que ele lhe lançou ao falar do livro a deixou
constrangida e causou nela uma irritação singular. Joana devolveu o olhar da
forma mais dura que conseguiu.
Que olhar atrevido e arrogante. — Ele pensou analisando-a.
— A senhorita é sempre assim, arredia, e responde todas as perguntas
com outra pergunta?
— Assim como o senhor, ao que observo. E me chama de arredia?
Quem pensa que é para falar assim? Nem ao menos o conheço — retrucou
com sua costumeira ousadia.
Ao ouvir tais palavras ele saltou do cavalo e caminhou na direção de
Joana, tomando-lhe a mão e repousando nela um beijo — para seu total
espanto e constrangimento.

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