Rhysand


Mal passara das nove da manhã e Cassian já estava irritado.
O aquoso sol de inverno tentou, sem sucesso, sangrar entre as nuvens que
pairavam acima das montanhas Illyrianas enquanto o vento soava como um
estrondo sobre os picos cinza. Já havia uma camada de centímetros de neve
cobrindo o acampamento lotado, uma visão do que em breve recairia sobre
Velaris.
Estava nevando quando saí, ao alvorecer — talvez uma boa camada de
gelo já aguardasse no chão o meu retorno. Eu não tive a chance de perguntar
a Feyre durante nossa breve conversa pelo laço minutos antes, mas talvez ela
saísse para caminhar comigo. E me deixasse mostrar como a Cidade da Luz
Estelar brilhava sob neve fresca.
De fato, minha parceira e minha cidade pareciam estar a um mundo de
distância das atividades no acampamento Refúgio do Vento, aninhado em um
alto desfiladeiro montanhoso. Mesmo o vento frio que soprava entre os picos,
traindo o próprio nome do acampamento ao levantar leques de neve, não
impedia os illyrianos de executar suas tarefas diárias.
Os guerreiros deviam treinar nos diversos ringues que se abriam para uma
queda livre até o pequeno leito do vale abaixo; aqueles que não estavam
presentes tinham saído para patrulhar os entornos. Os machos que não tinham
conseguido passar na seleção para guerreiro deviam cuidar dos diversos

comércios, assumindo papéis de mercadores ou ferreiros ou sapateiros. Para
as fêmeas, restava o trabalho inferior.
Elas não enxergavam dessa forma. Nenhuma delas. Mas as tarefas
requeridas, independentemente das feéricas serem velhas ou jovens,
permaneciam as mesmas: cozinhar, limpar, cuidar das crianças, fazer roupas,
lavá-las... Havia honra em tais tarefas — era possível encontrar orgulho e
bom trabalho nelas. Mas não quando era esperado que todas as fêmeas ali
fizessem isso. E se fugissem desses deveres, qualquer uma das meia dúzia de
damas de acampamento ou quaisquer que fossem os machos que
controlassem a vida delas as puniriam.
E, assim, havia sido desde que conheci esse lugar, com o povo de minha
mãe. O mundo tinha renascido durante os meses de guerra, a muralha fora
explodida em nada e, no entanto, algumas coisas não mudavam.
Principalmente ali, onde a mudança era mais lenta do que as geleiras
derretendo por entre aquelas montanhas. Tradições que remontavam a
milhares de anos, deixadas praticamente inalteradas.
Até nós. Até agora.
Desviando minha atenção do acampamento agitado fora do limite dos
ringues de treino demarcados com giz, estampei uma expressão neutra
conforme Cassian enfrentava Devlon.
— As meninas estão ocupadas com as preparações para o Solstício —
dizia o senhor do acampamento, com os braços cruzados sobre o peito
inflado. — As esposas precisam de toda ajuda que puderem obter para tudo
ficar pronto a tempo. Elas podem praticar na próxima semana.
Eu tinha perdido a conta de quantas variações dessa mesma conversa
tínhamos tido durante as décadas em que Cassian insistira no assunto com
Devlon.
O vento açoitou os cabelos pretos de Cassian, mas o rosto do feérico
permaneceu rígido como granito quando ele se dirigiu ao guerreiro que
relutantemente nos treinara.
— As meninas podem ajudar as mães depois do treino. Diminuiremos o
exercício para duas horas. O resto do dia será o suficiente para auxiliar com
os preparativos.
Devlon desviou os olhos avelã para onde eu estava, a alguns metros de
distância.

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